O Obscuro Fichário dos Artistas Mundanos

 

Conhecido como o circo mais querido do Brasil, o Nerino estreou no Recife em dezembro de 1932, sendo armado, segundo o jornal “Diario da Manhã” (15.12.1932) nos jardins do Parque Treze de Maio. Ao público, anunciava números como “As Facas Voadoras” (dos Irmãos Gaetan) e a comédia “Picolino e os Dinamiteiros” (“Diario de Pernambuco”, 31.12.1932). Foi o início de uma relação de amor com a cidade. Os espetáculos eram disputados pelo público até a década de 1950, período da circulação da lona na capital. Em maio de 1939, publicou-se no jornal um apelo das famílias do Pina ao diretor do Circo Nerino pedindo a presença do circo no bairro, por estarem ‘privadas […] de uma diversão familiar (“Diario da Manhã”, 05.05.1939). Dias depois, o diretor artístico do circo, Gaetan Ribola, publicou uma resposta ao apelo, revelando que inclinada a atender as referidas solicitações, […] igual iniciativa tiveram os moradores dos bairros de Casa Amarela, Afogados, Tejipio dos quais recebemos pedidos de exibições. O Circo Nerino ainda circulou por cidades como Nazaré da Mata, Limoeiro e Carpina (em 1941). Nesse mesmo ano, também promoveu espetáculos no Recife, nos bairros de Campo Grande e Água Fria.

A popularidade do Nerino não se deu à toa. Bons artistas, peças teatrais e atrações nacionais eram comuns no picadeiro. Exemplos são os espetáculos “Luiz Gonzaga, sua sanfona e sua simpatia” e o cantor carioca Moreira da Silva apresentando os melhores números de seu repertório. Em 1948, o circo trouxe outra atração famosa ao Recife: a estreia do artista brasileiro Grande Otelo, herói dos filmes Moleque Tião, Lua de Meus Olhos e muitos outros (“Diario de Pernambuco”,04.02.1948). O artista, aliás, teve seus dados pessoais coletados pela DOPS/PE durante esse período. O documento não aponta o motivo pelo qual Otelo foi chamado à delegacia. Entretanto, no livro sobre o Circo Nerino, é mencionado que o artista fez uma brincadeira com o prefeito de Jaboatão dos Guararapes, fato que teria resultado na sua expulsão imediata do estado de Pernambuco.

A companhia Circo Nerino, formada por artistas nacionais e estrangeiros, também surge nos arquivos da DOPS/PE. Nos documentos, lemos sobre a chegada de Armandine e seu filho Roger Avanzi, artistas do Nerino que vinham de Natal a bordo de um avião Tupan (entre 17 e 18 de junho de 1944). Ambos informaram às autoridades policiais que retornariam ao Rio Grande do Norte após o tratamento de Roger, que tinha um problema em um dos pés. Roger era filho de Nerino Avanzi, criador do circo ao lado de Armandine. Na documentação, foi localizado ainda um bilhete provavelmente escrito por uma autoridade policial da 7ª Região Militar. Trazia uma mensagem (datada de 23/10/1943) para Dr. Fábio, na qual o autor apresentava: O senhor Nerino Avanzi, proprietário do Circo Nerino. Trata-se de um velho conhecido e amigo […] Com ele tem em sua companhia esposa e cunhado, franceses de nascimento mas residentes no Brasil a mais de 30 anos. Eu pediria ao amigo, Dr. Fábio mandar habilitar lhes o livre transito entre o Recife e Goyana, aonde nessa cidade vai ele dar seus espetáculos. Em meio a uma conjuntura de acirramento das tensões relacionadas ao conflito armado na Europa, a presença estrangeira suscitava certas desconfianças. A apresentação do bilhete pelos artistas pode indicar que os mesmos buscassem usar da proximidade que tinham junto a certas autoridades militares para ter algum tipo de proteção caso fossem inqueridos. No prontuário, estão citados trinta e nove artistas, sete deles estrangeiros, entre eles: Gaetan Ribola, Marie Fernandez, Armandine Avanzi, Lagoutte Jeanne, todos franceses; além de Joaquim Fernandez e Artur Fernandez, chilenos, e João Bozan, uruguaio.